sábado, 27 de fevereiro de 2010

Palácio Capanema ameaçado

O Capanema é da Cultura e da Educação!
O Palácio Gustavo Capanema, por onde passam a história da educação e da cultura brasileira, está sob a ameaça de perder seu caráter de símbolo cultural do país e se transformar em sede do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de 2016. Essa é a intenção, já anunciada, do governador Sérgio Cabral.

Não é a primeira tentativa de descaracterização do prédio. É bom lembrarque, em 2008, o senador Paulo Duque (PMDB-RJ) apresentou o projeto de lei 2.929, não aprovado, propondo a doação do Palácio ao Estado do Rio de Janeiro.
Na justificativa de seu projeto, o senador utilizava o argumento da economia que a doação representaria para o Estado do Rio de Janeiro:
“É de conhecimento de todos que o Poder Público Federal ainda detém grande número de imóveis na cidade do Rio de Janeiro, a despeito de já se terem passado quase cinqüenta anos da transferência da capital do país. De seu turno, o Governo do Rio de Janeiro, na ausência de infra-estrutura própria suficiente para abrigar os órgãos da sua Administração Pública vê-se na necessidade de despender significativo montante de recursos para pagamento de aluguéis dos prédios onde funcionam os serviços públicos estaduais. Por exemplo, o prédio onde funciona o DETRAN é alugado por mais de R$ 800.000 por mês.”
Resumo da ópera: o prédio que abriga um tesouro artístico e dispõe de galerias, auditórios, bibliotecas, salões e jardins correu seriamente o risco de vir a ser transformado em sede do DETRAN.
Os argumentos do senador eram os mesmos hoje usados pelo governador: má utilização do prédio. Esses argumentos não resistem à realidade: seus 16 andares estão ocupados em toda sua plenitude por órgãos dos ministérios da Educação e da Cultura : as representações do MEC e do MinC, o Iphan, a Funarte, o Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional e a Fundação Palmares. Em suma, a economia para a administração pública estadual resultaria no aumento nas despesas do Poder Público Federal já que a doação implicaria na exigência de aluguel de novos espaços para realocar as instituições federais lá instaladas.


O uso do Palácio Capanema sempre esteve relacionado a seu histórico. Essa intenção de transformá-lo em sede burocrática do comitê organizador de um grandioso evento esportivo não leva em consideração uma série de limitações decorrentes de sua condição de prédio tombado: não se pode alterar o interior, que é constituído por pequenos compartimentos, os lambris têm que ser mantidos, os móveis têm que ser originais ou réplicas perfeitas.

Além disso, o Ministério da Educação já investiu R$ 900 mil na elaboração de um projeto que visa a implantar no Palácio um Centro de Referência em Educação e Cultura. As ações do Centro trabalhariam quatro eixos temáticos:
• Movimentos sociais, culturais e educacionais e a formação da escola brasileira;
• Pensamentos pedagógicos e culturais na modernidade brasileira;
• Políticas, legislação e direitos educacionais;
• Múltiplas linguagens artísticas.
Por todos os motivos expostos acima, Molon está coordenando um abaixo-assinado dirigido ao presidente Lula solicitando que a realização deste importante evento esportivo na cidade não seja usada para despejar a cultura e a educação do Palácio Gustavo Capanema. Artistas e educadores como Paulo Betti, Cristina Pereira, João Cândido Portinari, Carlos Roberto Jamil Cury, Esther Arantes e Célia Linhares já assinaram.



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O Capanema é da Cultura e da educação!

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O Que o Continente nos Oferece / África.

África do Sul : 2º Maior PIB "Per Capita", 3º Menos Corrupto, 3º Melhor Acesso a Água para consumo,
4º Melhor indice de Desenvolvimento Humano, 8º Menor Taxa de mortalidade Infantil, 6º Maior Incidência de HIV-SIDA, 10º Menor crescimento económico, 10º Menor esperança da Vida.

Angola : Pior indice de Desenvolvimento Humano,A Pior taxa de Mortalidade Infantil,Mais corrupto,Pior taxa de Alfabetização,Pior acesso a Água para consumo,Maior Crescimento económico,Problemas Graves de Liberdade de Imprensa,Discriminação Social,Maior incidência de HIV-SIDA,80 % da População vivem abaixo da linha da Pobreza.

Argélia : A Menor taxa de incidência de HIV-SIDA, 4º Menor taxa de Mortalidade Infantil, 5º Maior PIB "Per Capita".

Botswana : O Menos Corrupto, O Maior PIB "Per Capita", 2º Maior acesso a Água para consumo,
2º Melhor Crescimento económico, 6º Maior índice de Desenvolvimento Humano, 8º Melhor taxa de Alfabetização, 9º Menor taxa de mortalidade  Infantil, 2º Maior incidência de HIV-SIDA, 9º Menor esperança de vida.

Cabo Verde : Melhor índice de Desenvolvimeto Humano, 5º Maior crescimento económico, 7º Maior PIB "Per Capita", 8º Melhor taxa de Alfabetização.

Tchade : 2º Mais Corrupto, 2º Pior em acesso a Água para consumo, 3º Pior taxa de Alfabetização,
8º Pior índice de Desenvolvimento Humano.

Egipto : O Maior acesso a Água para consumo,A Menor taxa de incidência de HIV-SIDA, 2º Melhor índice de DEsenvolvimento Humano, 5º Menor taxa de Mortalidade Infantil, 6º Menos Corrupto,
6º Maior crescimento económico,10º Maior PIB "Per Capita".

Gabão : 3º Melhor índice de Desenvolvimento Humano, 6º Maior PIB "per Capita", 10º Menor taxa de Mortalidade Infantil, 8º Crescimento económico mais baixa.

Ghana :6º Menor Corrupto, 9º Maior crescimento económico, 10º Melhor índice de Desenvolvimento Humano.

Guiné Equatorial : O Maior crescimento económico,2º Melhor taxa de Alfabetização, 3º Maior PIB "Per Capita", 9º Melhor índice de Desenvolvimento Humano, 3ºMais  Corrupto, 3º Pior em acesso a Água para
consumo,Problemas Graves de liberdade de Imprensa.

Lesotho : 7º Melhor taxa de Alfabetização, 7º Maior crescimento económico, 9º Menos Corrupto, 3º Maior
incidência de HIV-SIDA.

Líbia : 2º Menor taxa de Mortalidade Infantil.

Marrocos : A Menor taxa de incidência de HIV-SIDA, 6º Menor taxa de Mortalidade Infantil, 6º Melhor
acesso a Água para consumo, 8º Melhor índice de Desenvolvimento Humano, 9º Menos Corrupto, 9º Maior PIB "Per Capita", 10º Maior crescimento económico.

Maurícias : A Mortalidade Infantil mais baixa, 2º Menor Corrupto, 6º Menor taxa de incidência de HIV-SIDA.

Mauritânia : 7º Menor taxa de incidência de HIV-SIDA.

Serra Leoa : O Pior índice de Desenvolvimento Humano,Pior taxa de Mortalidade Infantil, 4º Mais Corrupto, 5º PIB "Per Capita" mais baixo, 7º Pior taxa de Alfabetização.

Namibia : A Melhor situação de liberdade de Imprensa, 3º Melhor taxa de Alfabetização, 4º maior PIB "Per Capita", 4º Melhor no acesso a Água para consumo, 7º Menor taxa de Mortalidade Infantil, 7º Melhor índice de Desenvolvimento HUmano, 5º Maior incidência  de HIV-SIDA.

São Tome e Príncipe : 4º Melhor taxa de Alfabetização, 5º Melhor índice de Desenvolvimento Humano,
8º Melhor no acesso a Água para consumo, 9º Crescimento económico mais baixo.

Senegal : 6º Menos Corrupto, 8º Menor taxa de incidência de HIV-SIDA.

República Democrática do Congo - Antigo Rep. do Zaïre : 2º Mais corrupto, 3º PIB "Per Capita" mais baixo, 5º Pior acesso a Água para consumo, 9º Mortalidade Infantil, 10º Pior índice de Desenvolvimento Humano,Melhor taxa de alfabetização,Problemas Graves de liberdade de Imprensa.

Seycheles : 5º Menos Corrupto.

Tunísia : A Menor taxa de incidência de HIV-SIDA, 3º Menor taxa de Mortalidade Infantil, 3º Menos Corrupto.

Etiópia : O Pior em acesso a Água para consumo, 8º PIB "per Capita"mais baixo, 8º Pior taxa de Alfabetização, 9º pior índice de Desenvolvimento Humano,Maior taxa de Mortalidade Infantil,Problemas Graves de liberdade de Imprensa.

OS NEUTROS.

Djibuti : O Crescimento económico mais baixo, 9º Melhor no acesso a Água para consumo.

Gâmbia : 5º Melhor no acesso a Água para consumo,Problemas Graves de liberdade de Imprensa.

Sudão : 2º Mais Corrupto,Problemas Graves de liberdade de Imprensa, 4º Maior crescimento económico, 10º melhor no acesso a Água para consumo.

OS NEGATIVOS.

Benin : 4º Mais Corrupto, 4º Maior taxa de Mortalidade Infantil, 6º Pior taxa de Alfabetização,PIB Per Capita mais baixo.

Burkina Faso : A Pior taxa de Alfabetização, 2º Pior índice de Desenvolvimento Humano, 6º Maior taxa de Mortalidade Infantil.

Burundi : 2º PIB Per Capita mais baixo,Problemas Graves de liberdade de Imprensa.

Republíca do Congo : 4º Mais Corrupto, 4º Crescimento económico mais baixo, 5º Melhor taxa de Alfabetização.

Costa do Manfim ( Côte D´ivoire) : 3º Mais Corrupto, 7º Maior taxa de Mortalidade Infantil, 10º Pior taxa de Alfabetização.

Mali : 2º Pior taxa de Alfabetização, 4º PIB Per Capita mais baixo, 5º Pior índice de Desenvolvimento Humano,5º Maior taxa de Mortalidade Infantil, 7º Pior em acesso a Água para consumo, 8º Maior crescimento económico.

Moçambique : 3º Pior em acesso a Água para consumo, 6º Pior índice de Desenvolvimento Humano,
8º Maior incidência de HIV-SIDA, 9º Pior taxa de Alfabetização, 3º Maior crescimento económico.

Eritreia : O Mais Problemático em relação à liberdade de Imprensa.

Guiné Bissau : 2º Crescimento económico mais baixo, 3º Pior índice de Desenvolvimento Humano, 6º PIB Per Capita mais baixo.

Guiné Conacry : O mais Corrupto, 5º Pior taxa de Alfabetização, 7º Pior em acesso a Água para consumo.

Libéria : 3º Maior taxa de Mortalidade infantil.

Madagáscar : 5º Crescimento económico mais baixo,Pior em acesso a água para consumo, 5º Menor taxa de incidência de HIV-SIDA.

Malawi : O PIB Per Capita mais baixo, 9º Maior incidência de HIV-SIDA.

Níger : 2º Maior taxa de Mortalidade Infantil, 4º Pior índice de Desenvolvimento Humano, 4ºPior taxa de Alfabetização, 6º Crescimento económico mais baixo, 10º Menor taxa de incidência de HIV-SIDA.

Nigéria : 4º Mais Corrupto, 6º Pior em acesso a água para consumo,Problemas Graves com a liberdade de
Imprensa.

Quénia : 4º mais Corrupto,7º Crescimento económico mais baixo.

Rep.Centro Africana : 7º Pior índice de desenvolvimento Humano, 10º Maior incidência de HIV-SIDA.

Ruanda : 9º Mortalidade Infantil, 10º PIB Per Capoita mais baixo,Problemas graves de liberdade de Imprensa.

Somália : 8º Mortalidade Infantil,Problemas graves de liberdade de Imprensa, 8º Menor taxa de incidência de HIV-SIDA.

Sua Zilândia : A maior taxa de incidência de HIV-SIDA,Problemas graves de liberdade de Imprensa,
8º Maior PIB "Per Capita", 10º Melhor taxa de Alfabetização.

Togo : 10º Pior em acesso a água para consumo.

Zâmbia : 7º PIB Per Capita mais baixo, 7º Maior incidência de HIV-SIDA.

Zimbabwe : 3º Crescimento económico mais baixo, 44º Maior incidência de HIV-SIDA,Problemas graves
de liberdade de Imprensa,Taxa de alfabetização mais alta, 6º Melhor no acesso a água para consumo.

RECURSOS ENERGÉTICOS.
90% das jazidas  Mundiais de platina,crómio e cobalto,25% das de titânio, matérias utilizadas nas novas tecnologias,encontram-se em território Africano. 10% das reservas de petróleo do planeta estão em África. O maior exportador do continente é a Nigéria. Angola está na lista dos principais produtores Africanos.
40% de ouro e 60% do magnésio existente na terra estão à espera de ser extraidos do solo Africano.
295 mil barris de gás natural líquido são produzidos pela Argélia diariamente. Fonte PNUD-Relatório de
desenvolvimento Humano; UNAIDS; Fundo das Naçoes Unidas para a população; Repórteres sem Fronteiras.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Diversidade racial ainda é tabu no mundo dos negócios francês

15/02/2010 | Lamia Oualalou | Paris

A integração de estrangeiros é um tema crítico na França, porém, segundo o empresário Antoine Barth, a desvantagem é muito maior para os negros do que para outras raças

Uma série de medidas foi definida após um debate que questionou – ao longo de três meses, 350 reuniões e 60 mil contribuições pela internet – o que significa ser francês. O governo criará uma nova “carteira de jovem cidadão”, impulsionará a educação cívica e fixará novas normas de integração de estrangeiros, para reforçar o conceito de “identidade nacional” e “cultivar o orgulho de ser francês”, anunciou na semana passada o primeiro-ministro francês, François Fillon.

Grande parte dos intelectuais e da oposição definiu a iniciativa como eleitoreira, diante da proximidade das eleições regionais, na primavera européia. A discussão foi associada com a questão da imigração, especificamente às populações vindas de África de Norte, em sua maioria muçulmana.

Para calar as críticas, o governo apresentou uma pesquisa, segundo a qual 74% dos franceses se sentem “orgulhosos” da nacionalidade e 76% consideram que existe uma “identidade francesa”. No entanto, para o empresário Antoine Barth, criador da MV Deux, primeira empresa francesa de recrutamento especializada na chamada “diversidade”, o debate continua totalmente fora das preocupações do mundo econômico. Em entrevista concedida ao Opera Mundi, ele ressaltou que a integração de pessoas de origem “diferente” continua sendo complicada na França, especialmente nos cargos de confiança e de executivos. Para Barth, porém, essas dificuldades não têm a ver com a nacionalidade, mas sim com a raça: um francês das Antilhas caribenhas, portanto negro, terá mais dificuldades para conseguir um emprego do que um imigrante asiático.


Leia a entrevista na íntegra no sítio do Opera Mundi

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Convite para Feijoada da Marcha Mundial pela Paz!


Quilombo dos Silva: um marco na luta quilombola e novo paradigma para rediscutir as cidades


Em setembro de 2009, foi titulado o primeiro quilombo urbano no Brasil. Encravado num dos bairros mais caros de Porto Alegre, o Quilombo dos Silva se tornou não apenas uma referência para a luta quilombola, mas também para o conjunto do movimento social brasileiro. Em anos de resistência, enfrentando os interesses da elite econômica, os Silva construíram uma história vitoriosa de perseverança, coragem e alteridade. Nesta entrevista com o advogado da família e integrante do Movimento Negro Unificado (MNU), Onir Araújo, ele reflete sobre a situação atual dos quilombos, denuncia as ameaças aos direitos quilombolas feitas pelos ruralistas e seus representantes políticos, revela que a titulação é um marco na reparação às injustiças contra o povo negro e que abre a possibilidade pra se rediscutir o território das cidades.

O que se considera hoje um quilombo?

Um quilombo hoje é auto-definido. A comunidade ou grupo social se auto-identifica a partir de seus referenciais históricos, vivências, relações com o território: produzir, viver, se relacionar. Isso dá um marco diferencial a essas comunidades. A legislação reconhece. Existe a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), um tratado que o Brasil subscreve que garante o direito a auto-identificação a esse pertencimento grupal e étnico.

Em que momento tu começou a acompanhar a situação da família Silva e colaborar pra que a área em que vive fosse reconhecida e titulada?

Fomos contatados no início de 2001. O Movimento Negro Unificado (MNU) foi criado em 1978 sempre pautando o referencial de povo negro, rediscutimos a questão racial no Brasil. Tivemos um longo período de denúncia da pseudo-democracia racial e recebemos o caudal de vários processos de organização do povo negro. Entre eles, a questão da luta quilombola. Então, já na década de 80, a gente se articulava no sentido de ter garantias jurídicas de reconhecimento das comunidades quilombolas.

Em 1986, teve um encontro nacional de negros pela Constituinte, e houve pressão para que se gravasse na Constituição Brasileira o reconhecimento das terras de quilombo. Acabou se gravando o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (dá direito ao título das áreas ocupadas por remanescentes de comunidades quilombolas). Ele não surgiu por geração espontânea, nem a criminalização, que antes o racismo era contravenção e depois passou a ser crime inafiançável. Os próprios artigos 215 e 216 que fazem referência a se reconhecer a contribuição negra como patrimônio histórico do povo brasileiro, todas essas garantias na Constituição de 1988 vieram através de um processo de luta, e o MNU teve uma parte importante nessa discussão.

Ajudamos a formar a Coordenação Nacional Quilombola (CONAQ), com sessões em vários estados. No Rio Grande do Sul, a gente tem um trabalho antigo em Morro Alto e Casca. Foram militantes do MNU em contato com essas comunidades que começaram a pautar a discussão do reconhecimento. E foi através desse trabalho que tivemos contato com a família Silva.

A novidade foi o fato de trazer essa discussão pro urbano. No primeiro Fórum Social Mundial fizemos uma grande oficina trazendo companheiros de outros estados e, no segundo Fórum, pautamos a questão dos Silva. Era uma situação muito complicada. A comunidade procurou a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, que entrou em contato com o MNU. Eles estavam com duas ações de emissão de posse e todas as ações de usucapião transitadas em julgado desfavoravelmente. Aí, realizaram essa discussão, e nós fizemos uma ponte junto ao Ministério Público Federal. Não havia ainda o Decreto 4.887 de 2003 (regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação). Foi uma batalha pra criar um corpo de mobilização em torno da defesa do quilombo.

Foi um movimento para transferir a competência de toda a questão territorial, que estava tramitando na Justiça Comum, para a esfera da Justiça Federal. No primeiro momento, tranqüilizou em relação à ordem de despejo que tinha, e houve a divulgação da situação em nível internacional. Na época, não se tinha a questão da auto-identificação, então foi feito um convênio Fundação Palmares e Prefeitura pra se ter um laudo antropológico. Hoje, basta a auto-identificação. O laudo é uma ferramenta que pode ajudar a comunidade a reconstruir o seu referencial histórico através das técnicas da antropologia, mas ele é uma peça assessória, não a peça central.

Juridicamente não é necessário?

No meu entendimento não. O central é a auto-identificação.

E no entendimento da Justiça?

Na institucionalidade segue se dando uma importância ao laudo que é só pra criar mais trâmites burocráticos desnecessários. Ninguém questiona se um ítalo-gaúcho se auto-identifica com o referencial de ancestralidade italiana. O mesmo direito os quilombolas têm de se auto-identificar. Então, a discussão equivocada por alguns setores conservadores e reacionários é se eles são ou não quilombolas. Essa discussão está morta a partir da auto-identificação. Isso é inquestionável.

O que preocupa aos que são contra é a possibilidade, por se auto-identificar quilombola, de buscar direitos? Como juridicamente um povo se auto-identifica?

Pela convenção 169 da OIT não teria que ter processo algum, basta a auto-identificação e a auto-declaração. Em 2008, o INCRA alterou uma instrução normativa que regulamentava o Decreto 4.887. Instruções normativas são passos administrativos para que um decreto ou lei sejam formatados por uma instituição estatal que tem responsabilidade de fazer algum tipo de ação. No entendimento dos quilombolas, essa instrução normativa foi extremamente nefasta porque cria mais entraves burocráticos, dá um peso monstruoso ao laudo antropológico, cria instâncias caso haja conflitos como sobreposição de área quilombola com área de proteção ambiental, a ponto de se paralisar os processos de demarcação para ir a uma junta de conciliação institucional ligada ao Gabinete de Segurança Institucional e a Advocacia Geral da União.

Existem muitos processos de demarcação e titulação que estão paralisados em função desse tipo de entrave burocrático. Então, o que ocorre é que nessa nova instrução normativa, a Fundação Cultural Palmares quase passa a ter um poder que antes era meramente de registro. A comunidade se auto-definia quilombola, mandava esse reconhecimento para a Fundação e ela registrava. Agora, esse procedimento cria uma possibilidade de que o governo, de certa forma, acabe dizendo quem é ou não quilombola. O argumento para a alteração dessa instrução normativa foi dar mais segurança jurídica aos procedimentos de demarcação e titulação.

Hoje, existe um questionamento da legislação quilombola feita pelo Democratas (DEM), através de uma ação direta de inconstitucionalidade que ataca o auto-reconhecimento presente no decreto 4.887. E tem também um projeto de decreto legislativo tramitando na Câmara Federal que visa anular o 4.887, do deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), portanto, da base do Governo Federal. É uma falácia dar segurança jurídica porque, na prática, essa alteração da instrução normativa, no entendimento dos quilombolas, cedeu à pressão dos setores ruralistas, dos setores que são contrários aos interesses dos quilombolas.

Eu tive a oportunidade de acompanhar o arremedo de consulta pública que houve para a alteração dessa instrução. Quando cheguei a Brasília, tinha uma manifestação da comunidade quilombola de Marambaia, do Rio de Janeiro, em que a sobreposição é com uma área de segurança nacional da Marinha. Esses quilombolas denunciavam e repudiavam o ministro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), Edson Santos, que estaria levando mais em conta os interesses da segurança nacional que os que ele deveria defender, que é o dos quilombos. Então, a gente vem num quadro muito complicado nos últimos anos, de recuos e ataques aos direitos quilombolas.

A finalidade desses entraves burocráticos é que as comunidades desistam? Que interesses a lei 4.887 confronta?

A luta das comunidades quilombolas, e os Silva são emblemáticos nisso, é uma luta para que se aplique o que está na Constituição Federal, que se dê título às terras de pretos, de remanescentes de quilombos. E a resistência à aplicação disso a gente vê aqui na volta. É óbvio que o retardo dificulta. Agora, os interesses que estão por trás dessas alterações, desses ataques, é o interesse dos grandes setores econômicos, tanto dos latifundiários urbanos quanto rurais. Quer dizer, é um precedente (a titulação de um quilombo urbano), uma brecha pra eles muito perigosa porque não é só uma questão de um lotezinho de terra. É questão de uma outra forma de viver, de se relacionar, outra forma de existir que está no substrato do país há 507 anos.

Se você emperra o processo deixa as comunidades numa insegurança jurídica muito grande em relação à garantia do seu território. Se cria um processo extremamente emperrado e amarrado colocando boa parte das comunidades quilombolas como reféns dessa burocracia estatal e, isso, abre margem para que os ataques venham, como vieram aqui, mas a comunidade soube se articular pra resistir.

É uma situação muito grave. Tanto o decreto do Valdir Colatto como a ação direta de inconstitucionalidade do DEM estão tramitando a passos largos. Daí, a questão da gente fazer tanta pressão pra se consolidar o território aqui, pra que saísse a titulação. Porque cada vitória que consolidamos é uma força pra luta contra essa retirada de direitos que está em marcha.

O que o Estatuto da Igualdade Racial acrescenta ou não pra essa luta pelo reconhecimento das comunidades quilombolas?

Como homem negro, não tem como não falar indignado em relação a isso. Foi vergonhoso ver, quando da aprovação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, aquela comemoração de parlamentares negros, militantes de algumas organizações negras como a Conen (Coordenação Nacional de Entidades Negras) e a Unegro (União de Negros Pela Igualdade) se confraternizando com a bancada ruralista que, esta sim tinha motivo pra comemorar a aprovação daquele texto pífio. O que foi aprovado não foi o Estatuto da Igualdade Racial, mas o estatuto dos ruralistas. Foi o que eles queriam que fosse aprovado. Retiraram praticamente todo o capítulo quilombola do estatuto, todas as garantias jurídicas em relação às políticas afirmativas, retiraram a questão do fundo de reparação. Como disse o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), eles desracializaram o Estatuto da Igualdade Racial. Então, como é que eu vou comemorar uma coisa dessas?

O MNU tem uma posição de congresso denunciando esta negociata. E os impactos disso são terríveis porque se está querendo vender para a população negra como se isso esteja sendo a grande vitória de um governo popular. Nós não temos o que comemorar. Estamos procurando - e tem outras entidades e organizações políticas negras com essa posição - denunciar esta negociata que houve capitaneada, inclusive, pela SEPPIR junto à bancada ruralista.

Isso tem a ver com aquele pensamento de fazer o que é possível e não o que seria ideal?

“Este é o estatuto possível”. Eu acho este tipo de referência muito baixa em termos de discussão política. Porque a vitória dos Silva prova que com luta e organização é possível conquistar o que se achava impossível. Se o povo negro se organiza como os Silva fizeram com coesão, resistindo às tentativas de divisão, é possível sim você ter no estatuto aquelas questões centrais que interessam ao nosso povo. Vai depender de organização e luta. Agora, você não pode jogar a toalha, usando uma linguagem do boxe, antes de entrar no ringue. E isso que foi feito. Não significa dizer que não se tenha que negociar. Eu acho legítima, em qualquer organização do movimento social, demandar o Estado e estabelecer determinadas negociações. Agora, como é pífia essa comemoração, essa ópera de bufo, aquela cena, as pessoas lá comemorando... Tiveram dirigentes falando que é uma vitória histórica do povo negro. É pífio!

Seria legítimo olhar que tem uma correlação de forças complicada, discutir com o movimento social: “Olha, vamos aprovar o Estatuto, mas teremos que adequar alguns pontos: o deputado Valdir Colatto tem que tirar de pauta o decreto legislativo em que ataca o 4.887 e o Democratas, que representa a bancada ruralista, desistir da ação direta de inconstitucionalidade”. Seria uma negociação legítima. A gente teria, pelo menos, um tempo, um gás. Mas não foi assim. Nem isso! Simplesmente se aceitou a proposta que veio da bancada ruralista sem qualquer margem de negociação. Quer dizer, não foi nem um estatuto possível, foi uma negociata, uma verdadeira traição a uma luta histórica de um povo. E os reflexos disso a gente sente, a gente vê aqui na tentativa de tornar invisível essa conquista do Quilombo dos Silva.

Como se dá essa tentativa de tornar invisível?

Todos os episódios que aconteceram referentes à titulação dos Silva, da audiência pública (na Assembléia Legislativa do RS em 28 de agosto, com a presença de 600 quilombolas e o presidente do Incra, Rolf Hackbart) a depois do ato em Sapucaia do Sul (19 de setembro, quando os Silva se manifestaram diante do presidente Lula, em inauguração de uma rodovia) recebemos o telefonema do INCRA informando que a titulação seria no dia 25 de setembro, e a comunidade indo participar de uma reunião para organizar a atividade da entrega do título. O rompimento dos compromissos assumidos sucessivamente nessas reuniões com o INCRA, acompanhados não só pela própria comunidade dos Silva, mas também por outras representações quilombolas e entidades, demonstraram toda a pressão que os Silva sofreram pelo INCRA para a adequação da entrega do título a uma agenda meramente eleitoral.

E mesmo com a retirada do apoio estrutural para a titulação no dia 25, a comunidade acabou realizando a força de uma atividade só de movimento social, uma atividade muito bonita. Isso teve um desdobramento, porque a própria comunidade quilombola entrou com uma representação contra o INCRA no Ministério Público Federal. Está tramitando para que se tenham os devidos esclarecimentos sobre as atitudes que o INCRA tomou retaliando a comunidade por não ter se adequado a uma agenda estranha. Esses últimos acontecimentos envolvendo a titulação dos Silva é uma síntese de como tem sido o tratamento em relação às comunidades por parte do Estado brasileiro e do órgão responsável pela demarcação e titulação. Isso obriga um controle rígido por parte do movimento social e das comunidades quilombolas sobre essas ações (do Estado).

Nós tivemos notícias de que, em outubro ou novembro, a Procuradoria Federal da Sexta Câmara em Brasília abriu uma portaria de inquérito em relação ao INCRA, justamente para obter os esclarecimentos sobre esse tipo de atitude que não foi tomada só em relação ao Quilombo dos Silva, mas também em relação a outras comunidades quilombolas. Há o excesso de demora na demarcação e titulação das comunidades quilombolas.

Como o Incra se comporta nas questões envolvendo comunidades de quilombo e no processo todo dos Silva?

A relação nunca foi tranqüila. Como há demandas pendentes - tem as três ações de desapropriação pra sair o título definitivo integral da área -, nós queremos pautar daqui pra frente essa relação com o Incra chancelada pelo Ministério Público Federal. Porque a experiência recente demonstrou um total descompromisso e uma utilização indevida da máquina pública do estado.

O Incra não sabia nada sobre comunidades quilombolas. Tudo o que se tem o Incra bebeu na fonte do movimento social negro e das próprias comunidades quilombolas. A relação sempre foi extremamente complicada porque é uma relação de um órgão de estado demandado pelo movimento social, e a postura do Incra tem sido de, até, intervenção na organização e nas comunidades.

De rachar o movimento?

De dividir o movimento, de estabelecer com quem é legítimo conversar, com quem não é: “Se for determinado setor a gente conversa”.

A gente fez uma reportagem aqui em 2007 e, desde aquela data, já se falava que o Quilombo dos Silva ia ser o primeiro quilombo urbano titulado no Brasil. Passou dois anos pra ser titulado, o que aconteceu nesse tempo? Por que tanta demora?

Num primeiro momento, tinha a ver mesmo com a questão dos procedimentos normais de demarcação e titulação. As ações de desapropriação em relação aos supostos proprietários foram ajuizadas, e o que nós sabemos em relação à parte do território que foi titulada é que houve acordo com os supostos proprietários em relação ao valor que foi atribuído e depositado.

Em relação às outras três nesgas ainda não tem sentença na ação de desapropriação. Mas não tem volta. Não está se discutindo a posse do território, mas o valor. O Ministério Público Federal e o Incra estão questionando o laudo, querendo baixar o valor da indenização. Considerando que esta é uma área especial de interesse cultural, não se pode atribuir valor de mercado. Por isso, o título foi parcial. Mas esta parte (a primeira) já poderia ter sido entregue há bastante tempo e sempre a resposta é: “Ah, não, a gente tem que ter uma agenda, quer que o presidente Lula entregue este título pela importância que tem...”. Ou seja, sempre se adequando a uma agenda eleitoral. Eles iam chamar o Lorico (quilombola) pra fazer esta entrega em Brasília no dia 13 de maio passado. Ele estava pronto para ir ao aeroporto, mas cancelaram. Só disseram que não era mais pra ir.

Então, é sempre com esse tempo que não é o da necessidade da comunidade quilombola. É sério um órgão de estado ter esse tipo de comportamento como se fosse uma relação entre pessoas que não têm direitos, mas que dependem de favores. O Incra tem uma atribuição legal de fazer a demarcação e a titulação, e tem que ser regido por uma série de princípios administrativos de legalidade dos seus atos. E eles passaram por cima disso olimpicamente. O que significa você marcar uma coisa num dia e no outro desconsiderar? Aquilo não era uma reunião de partido, de companheirinhos, era um órgão de estado demandado pela sociedade. Eles têm limites e obrigações pra se comportar, pra tratar das coisas.

A titulação foi noticiada pela mídia, mas não com a importância que representa para o movimento negro e a luta quilombola. O que vocês acham da cobertura da imprensa em relação à titulação?

Eu acho que eles têm bastante consciência do que isso significa, mais do que muita gente pensa. Porque, além de ser o primeiro quilombo urbano titulado no Brasil (e no RS é o primeiro quilombo titulado), é também o primeiro no país que foi titulado com desapropriação. Ou seja, é o estado brasileiro pegando dinheiro pra reconhecer um direito de uma comunidade quilombola.

Teoricamente uma área que já era deles...

Essa é também uma novidade que incomoda bastante à classe dominante. Essa coesão que a família tem de impactar e criar uma unidade de setores do movimento social completamente diferentes. Nós do movimento negro discutimos um conceito básico, há dez anos, que é a reparação histórica dos crimes cometidos contra o nosso povo. Aqui no Quilombo dos Silva se mostra na prática o que é reparação. Porque, se o estado brasileiro induziu a essa situação de desvantagem que o nosso povo vive, foi cúmplice nesse crime histórico (hoje reconhecido) de lesa-humanidade, que foi o tráfico tumbeiro (em referência à tumba, pela quantidade de escravos que morriam nos porões dos navios negreiros), o estado tem que criar e induzir à construção dessa nova igualdade. Então, aqui se mostra na prática o início de uma reparação efetiva. Esse conteúdo eles sabem e querem apagar.

A história de resistência dos Silva, essa consciência eles não querem que contamine outras comunidades. Querem passar que: “O governo aqui está dando, para um monte coitadinhos, olhem só...”. Essa história de alteridade eles não querem que se espalhe. Imaginem o que são os grandes centros urbanos no Brasil, se em Porto Alegre a gente já está com quatro quilombos urbanos, contando com a família Silva, nessa assunção de referencial étnico.

Tem repercussão no Rio de Janeiro, o Quilombo da Pedra do Sal - aonde se encontrou aquele cemitério dos pretos novos, no bairro da Saúde, antiga área portuária -, é referência no Quilombo dos Silva. Agora, imaginem a repercussão disso na rediscussão do espaço urbano, porque boa parte das comunidades pobres negras não tem o título, mão tem a garantia da posse do seu território. Qual é a diferença (para outras comunidades)? Vamos pensar no Chapéu Mangueira no Rio, Morro da Providência... Vamos pensar na Restinga (Porto Alegre), que era aqui na Colônia Africana (chamada assim pelo número de negros que moravam nessa região central), e num processo de higienização da cidade foi parar lá (removida para a periferia mais distante). Quiseram fazer com os Silva e eles resistiram, como o Guaranha e o Fidelis estão resistindo (outros quilombos urbanos em Porto Alegre).

É um pouco daquilo que fizeram de tentar dividir os Silva, vir com bolsa de dinheiro... Hoje o Estado está tentando de certa forma fazer também, quando não respeita a alteridade dessas comunidades.

O Estado há muito tempo trata os movimentos sociais dessa forma. Isso acontece com o MST, com o movimento negro, com o movimento de habitação, que em Porto Alegre boa parte da população vive em áreas invadidas, favelas, áreas irregulares, em função dessa especulação imobiliária que acontece. Os movimentos sociais são tão importantes na construção da democracia brasileira e são tratados até hoje dessa forma.

O RS tem muitos problemas com a criminalização dos movimentos sociais. A gente viu a postura da Superintendência do Incra aqui de Porto Alegre, extremamente caluniosa em relação ao MST. Acusações de furto, roubo, numa postura que a gente está acostumado a ver. Qualquer greve estão usando um instrumento jurídico, que é o interdito proibitório, que tem praticamente levado à falência alguns sindicatos. Na greve dos correios teve isso, nacionalmente estão aplicando essa medida. Sobre a situação que aconteceu em outubro com a fazenda da Cutrale em São Paulo, escutei no rádio o Cassel, Ministro do Desenvolvimento Agrário falando que: “Olha, nós temos que tratar da reforma agrária, mas esse tipo de caso é de polícia”.

Nós do movimento negro, nós negros temos uma larga experiência em nossa luta ser tratada como caso de polícia. Até bem pouco tempo atrás para registrar um terreiro de matriz africana tinha que ser na delegacia. Boa parte das leis de silêncio e códigos de postura tem um impacto extremamente desproporcional na forma de viver do povo negro.

Foi um escândalo nacional quando apareceu aquele bispo de uma igreja pentecostal chutando a Nossa Senhora. E, todo o dia, nos programas de televisão ridicularizam, demonizam as religiões com referencial de matriz africana. No código penal brasileiro, o artigo que tem lá sobre “vadiagem” era de controle mesmo da população que no dia 14 de maio ficou sem eira nem beira pelo país.

Existe uma articulação nacional de denúncia do estado brasileiro em relação à criminalização dos movimentos sociais. A gente está num estado burguês, democrático. Se pegar as instituições que são as matrizes das constituições modernas, como a Carta da Virgínia, nos Estados Unidos, você vai ver que nessas constituições embrionárias que construíram a democracia tinha, inclusive, o direito de rebelião do povo, direito do povo se rebelar, que parece que existe até hoje.

Mas o concreto é que estão encarando qualquer atitude autônoma, organizada como um acinte. Encaram como um desafio mortal, como se fosse uma ofensa, a ponto de ter uma retaliação assim: “Porque eu tinha me comprometido contigo de garantir estrutura e tudo... Não tem mais! Ou é do jeito que eu quero ou não é”. Bom, é inaceitável isso, porque qual a segurança jurídica que as comunidades quilombolas vão ter? Qual o canal pra que as garantias constitucionais sejam respeitadas, se as coisas são tratadas dessa forma?

O Quilombo dos Silva deu pra todos nós um exemplo ímpar de coerência, alteridade, de como você faz uma homenagem verdadeira a toda luta anterior que se fez.

Então, qual a importância da titulação do Quilombo dos Silva para o conjunto do movimento negro?

Em primeiro lugar demonstra que, com luta, coerência e unidade é possível. O título é uma realidade. Esta é a principal mensagem da titulação. É um alento pra comunidades que estão lutando há anos com esse referencial étnico e ainda não conseguiram. A outra referência paradigmática é o método da ação direta, da mobilização, de se pautar a sociedade brasileira com esse tipo de demanda.

Era comum, durante essa caminhada ao longo de dez anos, que o Quilombo dos Silva colocasse essa referência de resistência a serviço de outras lutas. Há consciência de que a luta pela titulação do quilombo se liga às políticas afirmativas. Quantas vezes o Quilombo dos Silva esteve presente, tanto na caminhada em relação à defesa das cotas na Universidade Federal do RS (UFRGS), quanto à defesa das políticas afirmativas em relação aos empregos públicos em Porto Alegre, junto com servidores cotistas. Quantas reuniões dessas frentes de luta do povo negro aconteceram aqui dentro do quilombo. Quando da aprovação das cotas na UFRGS, os Silva estavam lá. Na questão do ataque, através do Tribunal de Contas, à política de cotas na Prefeitura de Porto Alegre, estavam lá. Quando os estudantes africanos do IPA (Instituto Porto Alegre) sofreram um processo discriminatório violentíssimo, o Quilombo dos Silva estava com eles.

Se colocaram a serviço da luta do conjunto do povo negro, mas não só do povo negro. Vários sindicatos acordaram pra essa demanda da sociedade brasileira a partir do Quilombo dos Silva. Essa interlocução com o movimento negro pautando uma demanda concreta de luta, passando por cima de diferenças que são naturais de referenciais políticos, partidários, como foi quando da articulação para a aprovação de um projeto de lei na Câmara Municipal, em que se gravou as áreas quilombolas como áreas especiais de interesse cultural no município de Porto Alegre.

Como eles colocam no panfleto do dia da titulação, é como se uma nova aurora, uma nova cidade estivesse surgindo. Na verdade, não estava surgindo, sempre existiu, só estava coberta pelo manto da discriminação racial, da opressão, da exploração. Esse é o paradigma central do Quilombo dos Silva. Mostra que é possível com luta, coerência, alteridade e generosidade nos ensinar, a partir dessa experiência, a sermos coerentes e conseqüentes com uma luta histórica que é a luta do povo negro no Brasil. Juridicamente é um marco na luta por reparação porque, além do protagonismo de ser o primeiro quilombo urbano titulado, de ser o primeiro quilombo titulado no RS, ser o primeiro em que tenha havido desapropriação.

Num outro dia tu falaste que essa conquista talvez fosse a mais importante do movimento negro na história recente do país...

Acredito que sim. Ainda estamos numa batalha, em que pontualmente a gente conseguiu um avanço em relação às políticas afirmativas, com a consolidação em vários centros universitários, a partir da pressão do movimento social negro, da consolidação das políticas de cotas nas universidades.

No RS temos uma situação também emblemática porque, talvez, seja o estado em que mais municípios tenham políticas afirmativas no que se refere ao mundo do trabalho nos concursos públicos. E isso tem muito a ver com a vitória dos Silva porque, se tivessem sido derrotados em 2005, eu tenho dúvidas se estaríamos com esse quadro que se tem hoje no estado. Mas todas essas políticas estão profundamente ameaçadas de recuos. Não existe uma consolidação ainda na legislação brasileira que dê garantias de que essas políticas sejam de estado e não do governo. É por isso que considero um crime a negociata que houve em torno do Estatuto da Igualdade Racial.

Qual o papel da mídia nesse processo? A gente sabe que a Globo fez uma campanha durante algum tempo contra os direitos quilombolas. O Estadão escreveu editorial contra o Quilombo dos Silva.

A grande mídia reflete interesses que são completamente antipopulares. Há coisa de uns dois anos atrás a gente viu toda uma campanha furiosa feita pela Globo em relação aos territórios negros. A gente vê que isso é tudo muito bem articulado, muito bem orquestrado a serviço dos interesses das grandes papeleiras, do grande capital urbano e rural. Sempre se associou as comunidades tradicionais de quilombolas, indígenas e ribeirinhos como se fossem comunidades que se contrapõem ao progresso. Eu acho que o que ocorreu e o que vem acontecendo é que se segue nesse processo nefasto, antidemocrático de se procurar num determinado momento se desmoralizar, num outro momento se criar um caldo de cultura desfavorável aos movimentos sociais e, em especial, à luta quilombola.

Romper esse bloqueio é com organização, coerência, abrir esse diálogo com setores que não são oficiais pra que a verdade sobre as coisas que estão acontecendo venham à tona com, pelo menos, o direito de outra visão ser expressa. Do jeito que está é praticamente impossível. As divulgações que saem na grande imprensa são genéricas, parciais. A gente tem que furar esse bloqueio de alguma forma. Porque as pessoas chegam em casa, ligam a televisão e é o mais fácil. A postura da mídia em geral foi muita nefasta e negativa.

Dá pra dizer que a luta pelas comunidades quilombolas é uma antes dos Silva e outra depois?

Posso estar errado, mas acho que é um marco histórico, não só na luta quilombola como na luta social no país. Se abre uma perspectiva de rediscutir conceitos em relação à democracia brasileira, ao espaço urbano, ao mundo rural. Se abre um novo paradigma pra se discutir as cidades, pra discutir o próprio país.

* Entrevista por André de Oliveira, Jefferson Pinheiro, Sarah Brito e Sergio Valentim.
** Fotos de Thais Fernandes.

Convite

A HUMANTAS – Direitos Humanos e Cidadania convida para sua posse de presidente do Conselho Municipal de Segurança Alimentar do Rio de Janeiro - gestão 2010, na solenidade de transmissão do cargo da presidência do poder público para sociedade civil organizada, dia 09 de fevereiro de 2010 (Terça-feira), às 10h, no Arquivo Geral da Cidade Rio de Janeiro, na Av. Presidente Vargas.

Contamos com a presença da sociedade civil organizada

Carmelita Lopes
HUMANITAS – DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA
CONSEA-RIO / CONSEA-RJ