Contam-se aos milhões. Estendem-se por todas as partes do planeta. Habitam especialmente as grandes cidades dos países centrais, mas também as metrópoles dos países emergentes e as capitais dos países subdesenvolvidos. Seu número cresce na proporção direta da economia globalizada. Correm atrás do capital, das mercadorias, da tecnologia de ponta, das oportunidades de trabalho. Na maioria das vezes tem um corpo perfeito. São mutilados não na aparência e na superfície, mas na intimidade mais secreta e oculta. Mutilados nas raízes profundas da própria existência, pois tiveram de arrancá-las do solo pátrio onde enterraram os restos mortais de seus antepassados.
Mutilados também nas estradas inóspitas por onde, sós ou em grupos, fazem, desfazem e refazem as encruzilhadas da sobrevivência. Muros, leis e homens de farda mutilam seus passos, sua travessia, suas aspirações mais sagradas. Não raro mutilam inclusive suas vidas, ceifando-as no meio do caminho. Nos mares, nos desertos ou nas fronteiras, evaporam-se os sonhos de muitos, restando apenas ossos ressequidos e embranquecidos pela inclemência do sol.
Os que logram chegar ao destino são novamente mutilados em seus direitos básicos e fundamentais. Cruzam a fronteira geográfica, mas nem sempre cruzam a fronteira política. Sem papéis, em situação irregular, passam a ser chamados “clandestinos”. Mutilados em seus documentos e em sua identidade. O que equivale a dizer mutilados no acesso ao trabalho, à saúde e educação públicas, a um endereço fixo, a uma pátria. Mutilados e relegados aos porões mais sórdidos e insalubres dos centros urbanos, aos esconderijos da sociedade.
Embora com seus membros fortes e cheios de vida, sentem-se mutilados na sua criatividade e na capacidade de progredir. Restam-lhes os serviços mais sujos e pesados, as tarefas mais perigosas e mal remuneradas. Caem sobre seus ombros os trabalhos que os cidadãos locais se recusam a executar. Mutilados da cidadania, não há escolha, não há alternativa. A necessidade, aliada à pressão dos familiares que ficaram em casa, obriga-os a sujeitar-se a qualquer tipo de oferta.
Não obstante ocupem o interior dos becos, ruas e praças da cidade, permanecem sempre do “lado de fora”. Os “do lado de dentro”, os estabelecidos, necessitam deles como trabalhadores e trabalhadoras, mão-de-obra abundante, fácil e barata. Mas não os querem como cidadãos. Clandestinamente abrem-lhes a porta dos fundos, mas cerram a porta da frente. Os legítimos os vêem como ilegais!
Os que não logram cruzar as fronteiras quedam-se ainda mais mutilados em sua dignidade de pessoa humana. Para o migrante, nada mais vexatório do que voltar para casa com os bolsos vazios. Pior ainda, mais pobres e desfigurados que na saída. É o fracasso estampado no corpo e na alma com feridas fundas e cicatrizes indeléveis. A vergonha costuma ser companheira de todo regresso fracassado. Daí as várias tentativas de retomar a travessia com todos os seus riscos, acompanhadas não raro de outros tantos regressos fracassados.
O processo de mutilação, porém, não se esgota aí. Mesmo para os que lograram cruzar a fronteira geográfica e política, às vezes se vêem barrados na fronteira cultural. Deslocados do berço materno ou da língua pátria, como peixes fora de água, mal conseguem balbuciar alguns vocábulos do novo idioma. Estrangeiros e mutilados na origem, no trânsito e no destino. Na origem, porque tiveram as raízes cortadas, privadas da terra mãe e expostas ao sol; no trânsito, porque são tratados de forma hostil pelos olhares oblíquos e as perguntas capciosas das autoridades constituídas; no destino, porque muitas vezes são forçados a se fecharem em guetos de defesa contra o preconceito, a discriminação e a xenofobia, vítimas privilegiadas ou “bodes expiatórios” do racismo e da perseguição pura e simples de grupos fascistas ou neonazistas.
Entretanto, jamais mutilados na esperança! Teimosamente retomam a estrada, empreendem nova travessia. Em algum lugar do mundo necessitam de um pedaço de terra para reconstruir a cidadania que a pátria lhes negou. E partem, tenazmente partem e voltam a partir!... Em busca de uma pátria sem fronteiras ou do sonho de uma cidadania universal. Caminheiros imbatíveis de um amanhã recriado! Profetas que peregrinam sobre a face da terra, tratando de antecipar os traços de justiça e solidariedade do Reino de Deus.
Os que logram chegar ao destino são novamente mutilados em seus direitos básicos e fundamentais. Cruzam a fronteira geográfica, mas nem sempre cruzam a fronteira política. Sem papéis, em situação irregular, passam a ser chamados “clandestinos”. Mutilados em seus documentos e em sua identidade. O que equivale a dizer mutilados no acesso ao trabalho, à saúde e educação públicas, a um endereço fixo, a uma pátria. Mutilados e relegados aos porões mais sórdidos e insalubres dos centros urbanos, aos esconderijos da sociedade.
Embora com seus membros fortes e cheios de vida, sentem-se mutilados na sua criatividade e na capacidade de progredir. Restam-lhes os serviços mais sujos e pesados, as tarefas mais perigosas e mal remuneradas. Caem sobre seus ombros os trabalhos que os cidadãos locais se recusam a executar. Mutilados da cidadania, não há escolha, não há alternativa. A necessidade, aliada à pressão dos familiares que ficaram em casa, obriga-os a sujeitar-se a qualquer tipo de oferta.
Não obstante ocupem o interior dos becos, ruas e praças da cidade, permanecem sempre do “lado de fora”. Os “do lado de dentro”, os estabelecidos, necessitam deles como trabalhadores e trabalhadoras, mão-de-obra abundante, fácil e barata. Mas não os querem como cidadãos. Clandestinamente abrem-lhes a porta dos fundos, mas cerram a porta da frente. Os legítimos os vêem como ilegais!
Os que não logram cruzar as fronteiras quedam-se ainda mais mutilados em sua dignidade de pessoa humana. Para o migrante, nada mais vexatório do que voltar para casa com os bolsos vazios. Pior ainda, mais pobres e desfigurados que na saída. É o fracasso estampado no corpo e na alma com feridas fundas e cicatrizes indeléveis. A vergonha costuma ser companheira de todo regresso fracassado. Daí as várias tentativas de retomar a travessia com todos os seus riscos, acompanhadas não raro de outros tantos regressos fracassados.
O processo de mutilação, porém, não se esgota aí. Mesmo para os que lograram cruzar a fronteira geográfica e política, às vezes se vêem barrados na fronteira cultural. Deslocados do berço materno ou da língua pátria, como peixes fora de água, mal conseguem balbuciar alguns vocábulos do novo idioma. Estrangeiros e mutilados na origem, no trânsito e no destino. Na origem, porque tiveram as raízes cortadas, privadas da terra mãe e expostas ao sol; no trânsito, porque são tratados de forma hostil pelos olhares oblíquos e as perguntas capciosas das autoridades constituídas; no destino, porque muitas vezes são forçados a se fecharem em guetos de defesa contra o preconceito, a discriminação e a xenofobia, vítimas privilegiadas ou “bodes expiatórios” do racismo e da perseguição pura e simples de grupos fascistas ou neonazistas.
Entretanto, jamais mutilados na esperança! Teimosamente retomam a estrada, empreendem nova travessia. Em algum lugar do mundo necessitam de um pedaço de terra para reconstruir a cidadania que a pátria lhes negou. E partem, tenazmente partem e voltam a partir!... Em busca de uma pátria sem fronteiras ou do sonho de uma cidadania universal. Caminheiros imbatíveis de um amanhã recriado! Profetas que peregrinam sobre a face da terra, tratando de antecipar os traços de justiça e solidariedade do Reino de Deus.
Padre Alfredo J. Gonçalves, CS
Texto gentilmente enviado pela professora Regina Petrus - NIEM-IPPUR-UFRJ
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