sábado, 29 de janeiro de 2011

Petróleo gera pobreza no paradoxo angolano

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luanda46Avaliado em razão da abundância de seu petróleo e de sua reduzida população, Angola possivelmente é o país mais rico da África. Mas, pela sua experiência, Antonio Dodge Domingo não concordaria com isso. De dia e de noite, a sacada de seu apartamento, no segundo andar de um prédio, é salpicada de excrementos humanos. Seus vizinhos dos andares superiores estão sempre atirando baldes cheios de imundície.
Em Luanda, capital do país, Domingo, a mulher, sete filhos e centenas de vizinhos ocupam um prédio inacabado de 17 andares, sem eletricidade, sem telefones, sem elevadores, sem janelas, sem nenhuma coleta de lixo e nenhum encanamento. Há 25 anos, um construtor abandonou a estrutura de concreto e fugiu para Lisboa logo após a independência de Portugal.
Os filhos de Domingo sofrem freqüentemente de disenteria, provavelmente porque costumam brincar na sacada ou por causa da água marron que escorre pelas paredes da cozinha. Contraíram também malária transmitida por mosquitos de uma lagoa vizinha do prédio. O lixo atirado do prédio "acarpeta" a lagoa. Nos dois últimos anos, três crianças da vizinhança morreram afogadas em meio ao lixo da lagoa.
"Absolutamente não estou satisfeito, mas não tenho outra saída", disse Domingo, de 48 anos. Doutor em ciência política pela Universidade de Bombaim, ele dirige uma escola particular de inglês e mora no prédio há oito anos. "Tenho que viver agora de acordo com a realidade de meu país."
Durante décadas, a realidade em Angola é regida pelo paradoxo da abundância:
A riqueza do petróleo tem ajudado a financiar uma guerra interminável entre o presidente da república, Eduardo dos Santos, e seu grande inimigo, Jonas Savimbi, líder dos rebeldes da Unita. Isso contribuiu para aumentar a pobreza e a falta de saúde de quase todos os angolanos. Este país tem o maior índice de pessoas mutiladas por minas de todo o mundo (1 para cada 133). Um terço das crianças morre antes de completar cinco anos. A expectativa de vida é de apenas 42 anos.
Se o paradoxo se mantiver, Angola está madura para uma miséria ainda maior.
Recentes descobertas ao largo da costa tornaram este país um dos mais fortes produtores de petróleo do mundo. A produção provavelmente duplicará ns próximos cinco anos.
Para os Estados Unidos e outros países ocidentais sedentos de gasolina, o petróleo faz de Angola mais do que simplesmente mais uma nação problemática da África. Angola já responde por 7% do consumo anual de petróleo dos EUA e provavelmente por pelo menos 10% até 2005.
O mal-cheiroso apartamento de Domingo, no centro de Luanda, não é absolutamente excepcional. A capital tem 4 milhões de habitantes, mas apenas cerca de 20 mil têm água corrente ou banheiros modernos. Na maré baixa, ao longo da Marginal - a via que se estende, em curva, ao longo do Atlântico, na Baía de Luanda - o cheiro de esgoto é tão avassalador que é difícil andar sem sentir náuseas.
Segundo os especialistas, o governo poderia facilmente dar-se ao luxo de construir uma rede de tratamento de esgotos e canalizar água potável para a cidade. Existem dois rios próximos e a guerra está longe da capital. Devido a essa falta, milhões de pessoas pobres de Luanda pagam até 10 mil vezes mais caro pela água potável do que a elite, que pode abrir uma torneira.
Todas as noites, a polícia e os soldados isolam o centro da capital, onde mora a elite governante, formada por cerca de 30 famílias. O governo não quer pessoas revoltadas invadindo os melhores bairros depois do anoitecer.
Em todo o país - rico em minerais e terras imensamente férteis - o governo oferece a seus 12 milhões de cidadãos, a desigualdade e a repressão. Mais de dois terços das crianças angolanas chegam à idade adulta com apenas quatro anos ou menos de escola. As taxas de analfabetismo - 50% para os homens, 70% para as mulheres - são elevadas até mesmo pelos padrões africanos. E estão aumentando.
Enquanto isso, os filhos das famílias da elite que fazem parte do governo estudam no exterior por conta do Estado. As bolsas de estudo concedidas pelo governo a esses privilegiados consumiram até 36% de todos os gastos oficiais em educação.
No ano passado, de acordo com representantes do governo americano, os dirigentes angolanos gastaram na compra de armas cerca da metade dos lucros inesperados com o aumento do preço do petróleo, estimados em US$ 900 milhões. Muitas dessas armas foram compradas unicamente para proveito pessoal.
Segundo funcionários do governo americano, os dirigentes de Angola parecem ter roubado parte substancial daquilo que não gastaram em armas.
Representantes de bancos internacionais afirmam que os US$ 900 milhões não constam do orçamento nacional publicado.
Executivos de companhias americanas de petróleo dizem ironizando que "contribuem pecuniariamente" para o principal programa de desenvolvimento comunitário da Angola: a transferência de dinheiro para os bancos de Zurique e Genebra.
A BP Amoco, Chevron, Exxon Mobil e outras 24 companhias de petróleo estão planejando investir cerca de US$ 19 bilhões em Angola nos próximos 10 anos, para fazer perfurações em águas profundas ao largo da costa.
Existe um amplo nervosismo entre as companhias multinacionais de capital aberto, temerosas de que a publicidade negativa sobre corrupção, injustiça social e violações dos direitos humanos possa pôr em risco os investimentos.
Executivos do petróleo lembram-se da reação dos consumidores americanos que boicotaram a Shell quando vincularam a empresa às violações dos direitos humanos e ao enforcamento de um famoso dissidente, praticados pelo governo militar da Nigéria no início da década de 1990.
"Sabemos que vamos ser estreitamente fiscalizados", disse David Rice, alto assessor político da BP Amoco em Londres, que no ano passado se aliou a outras três companhias de petróleo para comprar, por US$ 350 milhões, os direitos de exploração de um campo de petróleo na costa angolana. "Este é um maravilhoso coquetel para chamar a atenção do público mundial: petróleo, diamantes, guerra civil e minas terrestres.
Se nos considerarem parte do problema, sairemos perdendo. Temos de ser considerados parte da solução."
O Departamento de Estado e o Fundo Monetário Internacional estão insistindo para que Angola realize reformas capazes de abrir sua economia e gaste muito mais dinheiro do petróleo em serviços sociais.
"Estamos convencidos de que eles deverão fazer isso", disse um funcionário do governo. "Se eles forem sérios em seu propósito de reconstruir o país, terão de seguir uma série de regras diferentes das que seguiram no passado."
Durante décadas, o governo angolano apresentou a guerra civil como uma desculpa para justificar todas as falhas. A guerra com a Unita, que começou antes da independência de Angola em 1975, absorveu a maior parte do dinheiro do petróleo, enquanto a infra-estrutura do país era arruinada.
Mas o governo finalmente parece estar vencendo. A Unita foi expulsa da região do vale do Rio Cuango, rica em diamantes. Analistas militares dizem que os rebeldes não têm mais a receita dos diamantes, necessária para financiar grandes operações terrestres.
Enquanto a produção de petróleo cresce e as lutas diminuem, a guerra não é mais uma desculpa universal para a má administração do governo, como o reconheceu o presidente Eduardo dos Santos num discurso recente.
O governo anunciou que irá gastar US$ 250 milhões em novos programas para reconstruir a infra-estutura e conceder empréstimos a pequenas empresas.
Pela primeira vez, prometeu ao FMI que irá autorizar a vinda de auditores externos para examinar sua maneira de gastar o dinheiro.
O FMI e o governo americano estão dispostos a aceitar um acordo que deixaria de lado a corrupção passada e insistiria apenas na futura abertura .
Os Estados Unidos precisam do petróleo de Angola e as autoridades americanas admitem que essa necessidade refreia sua vontade de criticar o governo ou exigir demais em pouco tempo. "Isso é realismo", disse um funcionário do Departamento de Estado.
Sob outros aspectos, Angola parece impermeável à maior abertura que agora se vê em grande parte da África. Quando algumas pessoas se reuniram nas ruas de Luanda, em fevereiro do ano passado, para protestar contra um aumento de 1.600% nos preços da gasolina imposto pelo governo, a polícia reprimiu os manifestantes usando granadas de gás lacrimogêneo e cassetetes.
Blaine Harden
The New York Times

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