domingo, 20 de dezembro de 2009

Refugiadas se tornam artesãs profissionais no Brasil




 Solicitante de asilo africana faz aula de corte e costura em abrigo de São Paulo. (Foto: C.Montenegro/ © ACNUR)


Agulha e linha. Muita criatividade, incentivo e diálogo. É com estas ferramentas que um grupo de jovens refugiadas está reconstruindo seu futuro em São Paulo, uma das maiores cidades do Brasil. Todas as terças e quintas-feiras, elas se reúnem para as aulas de artesanato no pequeno ateliê da Casa de Acolhida Nossa Senhora Aparecida, onde residem provisoriamente quando chegam ao país.
As bolsas e roupas produzidas são vendidas em bazares e na própria casa, durante eventos abertos ao público e amigos nos fins de semana. A idéia é promover geração de renda e autonomia às refugiadas, como forma de garantir a integração sustentável no Brasil. “Já estou costurando roupas e usando retalhos para fazer bolsas de pano”, conta a solicitante de refúgio Foziya Yimer, em pausado e claro português.
Ela chegou da Etiópia há seis anos, trazida para trabalhar na casa de um libanês. Foram seis anos de trabalho, sem nenhuma remuneração. “Ele escondeu meu passaporte, só consegui fugir de lá ano passado. Conheci um padre que conversou com este homem e conseguiu reaver meu passaporte. Agora estou pedindo refúgio”. Foziya aprendeu rápido o idioma português e se encantou pelo artesanato brasileiro.
“Ainda que no início o trabalho gere apenas um complemento à renda, aos poucos queremos aumentar as vendas para que o lucro seja revertido para as meninas”, afirma Mary Mendonça, educadora do projeto. As primeiras peças especiais para as vendas de fim do ano já estão prontas: são aventais, porta-garrafas e porta-panetones com motivos natalinos. “Para 2010 vamos ampliar nosso ateliê e expôr os trabalhos de artesanato em uma vitrine na frente da casa. Pretendemos tornar a produção lucrativa para que as meninas possam também se sustentar com esta renda e garantir sua auto-suficiência”, diz.
Hoje, moram na Casa de Acolhida 29 mulheres, sendo 16 refugiadas. A maioria é de origem africana, vindas da República Democrática do Congo, Eritréia e Etiópia. Em três anos de funcionamento, a casa já acolheu jovens de quase 70 nacionalidades. Um mosaico que ilustra a realidade do refúgio no Brasil, onde vivem 4.183 refugiados, de 76 países diferentes, segundo dados do Comitê Nacional para Refugiados (CONARE).
Segundo a professora de arte Luzinete Felintro, o tempo de aprendizado nas oficinas oferecidas pela Casa de Acolhida varia muito de acordo com o interesse de cada pessoa. “Muito depende do esforço e da habilidade de cada uma das meninas. A maioria gosta muito de se envolver com artes, danças e cultura como forma de reafirmar sua identidade”, explica.
Entre as jovens em aula há refugiadas que falam inglês, francês e espanhol, além de dialetos africanos. “Mas por mais incrível que pareça, o idioma nunca é um problema. É o que menos conta. O mais importante é a acolhida”, afirma Luzinete. Segundo ela, a comunicação entre as jovens e os professores pode até acontecer no início por mímica ou com ajuda de outras refugiadas intérpretes.
As mulheres que recebem abrigo podem trazer seus filhos para morar junto e dividem as tarefas de limpeza e cozinha da casa. Cada uma lava sua própria roupa e cuida do seu quarto e todas se revezam para cozinhar. Quando as jovens refugiadas conseguem garantir renda própria e podem pagar seu próprio aluguel elas estão prontas para deixar a casa. Em média, a estadia dura de três a seis meses.
“A geração de renda é um passo fundamental para a auto-suficiência e a integração dos refugiados no país de acolhida. A inclusão das mulheres no mercado de trabalho, sobretudo, merece atenção especial”, destaca Eva Demant, Representante interina do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) no Brasil.
Até 2006, o casarão centenário no centro de São Paulo onde vivem as refugiadas abrigava um pensionato para jovens. A proposta de transformar o local em uma casa de acolhida para refugiadas e estrangeiras egressas do sistema penitenciário partiu da coordenadora da Casa de Acolhida Maria Vitória de Paiva, que trabalha com a defesa dos direitos das mulheres, e foi aceita pela congregação de São Vicente Pallotti, proprietária do local.
O abrigo possui lavanderia, capela, sala de internet e espaço para oficinas de artesanato, aulas de dança, corte e costura, terapia comunitária e atendimento psicológico para assistir as refugiadas. O espaço é o único de São Paulo que fornece este tipo de acolhida para mulheres refugiadas, é mantido pela congregação e recebe doações da comunidade. A maioria chega por indicação da Cáritas Arquidiocesana, parceira do ACNUR na assistência de solicitantes de refúgio e refugiados na cidade de São Paulo.

Por Carolina Montenegro, em São Paulo, Brasil

Fonte: ACNUR

Enviada por Regina Petrus - NIEM/UFRJ

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