domingo, 29 de agosto de 2010

Angola - Menos “Moviceis” e mais Probidade!

Senhor Provedor da Justiça, Senhores Magistrados do Ministério Público, está na hora de cumprir a lei!

Decorridos que está um ano desde a privatização da Movicel em Angola, voltamos às páginas do Jornais repletos de referências a este e outros processos de detenções de participações sociais por Altos Governantes do Estado Angolano.

Referimo-nos em concreto ao Artigo publicado recentemente, com o título Presidência da República: o Epicentro da Corrupção em Angola. Aqui é feita uma pesquisa e análise intensivas das principais empresas que têm realizado avultados negócios com a aprovação do Conselho de Ministros e da Casa Civil da Presidência da República. Concluindo-se que, todas elas são detidas, e em todas intervieram os nossos Governantes. Quer seja por intervenção ou detenção directa, quer seja por intervenção ou detenção por parte de parentes muito próximos, como sejam mulheres e filhos, no negócio.

E tudo se passando em vésperas e na decorrência da entrada em vigor da Lei da Probidade Pública, como o artigo bem refere.

Não pretendemos escamotear mais sobre quem participa nestas empresas beneficiárias de tão avultados negócios, e todas elas com a anuência e aprovação do próprio Estado Angolano, mas pretendemos saber, isso sim, o que é que tem sido feito, perante tais denúncias.

Aprovada que está a Lei da Probidade, importa verificar agora se os seus mecanismos estão a ser postos em prática ou não, sob pena de se criar uma Lei que é letra morta à nascença, que servirá apenas para perseguir os indesejados da Cúpula Política. De todo o modo, não nos escudemos no facto de esta Lei ter sido aprovada apenas em 29 de Março de 2010, já que esta Lei o que veio fazer foi “acolher e sistematizar as normas que consagram os deveres, as responsabilidades e as obrigações dos servidores públicos na sua prestação e assegurar a moralidade, a imparcialidade e a probidade públicas” (Lei n.º 3/2010, de 29 de Março – Preâmbulo). Ou seja, a Lei da Probidade Pública vem reunir numa única lei o que estava disperso em várias.

De facto, tendo sido todos estes factos postos a nu, cabe agora ao próprio Estado procurar saber os contornos mais específicos do negócio, e perceber em que moldes os Governantes identificados no mencionado Artigo solicitaram ou aceitaram as vantagens ou regalias que receberam de forma indevida, e em claro desrespeito pela Lei (vide Artigo sobre a (i)legalidade da privatização da Movicel), pondo em risco a independência, imparcialidade e credibilidade da própria Administração Pública, e assim violando os princípios fundamentais da Lei da Probidade Pública e da própria Constituição.

Na verdade, o que nos parece é que, tendo sido demonstrada a possibilidade de existência de uma nulidade do procedimento de privatização da Movicel, o mínimo que esperaríamos era que o Ministério da Tutela viesse arguir essa nulidade junto do Poder Judicial, como lhe competiria. E ainda assim, e perante a possibilidade de existência de indícios da prática de crimes por parte dos intervenientes neste processo, que o Ministério Público interviesse também no sentido da melhor defesa dos interesses do Estado Angolano, como de resto lhe compete nos termos do artigo 4.º do seu Estatuto, e bem assim, do artigo 186.º da Constituição da República de Angola. E já agora, onde anda o Senhor Provedor de Justiça? Onde está o cumprimento da sua função de garante, através dos meios informais, da justiça e da legalidade da Administração Pública (como dispõe o artigo 1.º da Lei do Estatuto do Provedor de Justiça)?

Bem sabemos que a actuação do senhor Provedor depende de uma iniciativa por parte de um cidadão, através da apresentação de queixa a ele dirigida. Sabemos também que, no caso de flagrante violação de um direito, liberdade ou garantia de um cidadão, o Senhor Provedor deverá intervir por iniciativa própria (artigo 3.º, n.º 2 da Lei do Estatuto do Provedor de Justiça). Perante as sucessivas notícias sobre casos de corrupção e ilegalidades que colocam em causa o património e os interesses do Estado Angolano, parece-nos estarmos em presença de uma situação de flagrante ilegalidade cometida dentro da Administração Pública e pelos seus mais altos representantes. Nessa medida, solicitamos, desde já, a intervenção do Senhor Provedor de Justiça, a que dê atenção e relevância a estes abusos a que vamos assistindo.

É preciso agir, intervir e responsabilizar os esbanjadores do erário público, e acima de tudo, é preciso mostrar que nenhuma destas actuações fica impune. Os actos são ilegais, graves e têm consequências.

Assim, são actos de improbidade nos termos do artigo 25.º da Lei da Probidade, aqueles que na utilização das funções públicas, levem ao enriquecimento sem causa devido à atribuição de vantagens ilícitas ou indevidas. Determina o mesmo artigo que estas vantagens podem ser conferidas a si, ou a outrem, com interesse directo ou indirecto em tais vantagens ou negócio.

Os actos denunciados são actos, que no dizer do artigo 26.º, n.º 1 da Lei da Probidade Pública, que causam prejuízo ao património público, através de acção culposa que prova perda patrimonial, desvio, esbanjamento, e delapidação dos bens das entidades públicas.

Mais, tratam-se de actos que foram praticados mediante a intervenção destes Governantes na sua preparação, decisão e execução, na qualidade pública que têm em claro benefício próprio e familiar, relacionando actividades privadas com a entidade publica que representam.

Se a imoralidade dos actos não colhe, nem inibe os seus praticantes de o fazerem, os olhares públicos não a podem aceitar. A Lei tem de ser aplicada e deve sê-lo de forma severa e séria. Aliás, é a própria Lei que todos nós aprovámos que determina as sanções a aplicar nestas circunstâncias. Cabe então ao Estado que defenda os seus interesses, e a sua própria Lei. Cabe ao Estado perseguir os infractores, investigar todos os seus actos, punindo-os. Só assim teremos um verdadeiro Estado de Direito.

Senhores Magistrados, Senhor Provedor da Justiça, façam a investigação que lhes compete, estamos a falar de crimes de prevaricação, abuso de poder, enriquecimento sem causa, entre outros, conforme vêm previstos no Capítulo V da referida Lei da Probidade Pública.

Toda a vida empresarial e pública dos Governantes mencionados no Artigo de opinião Presidência da República: o Epicentro da Corrupção em Angola, deve ser analisada com pormenor:

Em que empresas participam ou participaram?
De forma directa ou através dos seus familiares?
Qual o cargo público exercido em simultâneo?
Que contratos foram celebrados pelas empresas referidas?
Que contratos e actos foram aprovados por esses Governantes?
Em quais teve intervenção?
Todas estas, e outras, são questões que têm de ser respondidas. De todo o modo, não podemos aceitar que perante uma denúncia tão grave quanto as que vêm plasmadas nos Artigos de opinião a que já fizemos referência, possam passar impunes, sem consequências quer políticas, quer criminais e civis.

Está na altura de darmos corpo à letra da Lei, está na altura de o Povo Angolano se revoltar contra estes abusos contra o seu próprio património que assim vai sendo delapidado em benefício de alguns, poucos, e sempre os mesmos. Está na hora de os Senhores Magistrados do Ministério Público e do Senhor Provedor de Justiça saírem dos seus gabinetes e colocarem mãos à obra na real defesa dos melhores interesses do Estado Angolano, sem se subjugar ao Poder Político, avocando para si o Princípio da Independência de Poderes.

Está na altura de os Senhores Magistrados do Ministério Público e do Senhor Provedor de Justiça compreenderem toda a extensão da palavra “independência” quando aplicável ao poder judicial, está na altura de honrarem o seu juramento, e de actuarem com independência ao invés de serem meros servos do poder político! Estamos convictos que não teremos um verdadeiro Estado de Direito enquanto o poder judicial não actuar com a força e a independência necessária. Diga-se, ainda, que é ao poder político e ao poder militar (muito actuante no nosso país) que cabe “democraticamente” circunscrever as suas funções e os seus poderes, deixando de exercer pressão e coacção sobre o poder judicial. Senhores Governantes tenham a coragem de aceitar a aplicação das leis que quiseram em certa altura aprovar. Ou estaremos nós a aprovar leis, como dizem os brasileiros, para inglês ver, ou melhor, para a comunidade internacional ver?

Na verdade, de que nos serve uma Lei que pretende perseguir os prevaricadores, mas que depois é utilizada apenas em prol de alguns? Aqueles que o Poder Político entende, e no momento que entende.

Está na altura de separar o trigo do joio. Por causa de uns, outros ficam prejudicados na sua imagem, e na vontade e empenho que sempre demonstraram na prossecução do interesse de todos nós. Trata-se da imagem institucional do Estado Angolano que é posta em causa pelos actos de alguns, que praticando-os mantêm os seus cargos públicos, e prosseguem a sua actividade ilícita. Ao mesmo tempo que a desconfiança dos cidadãos aumenta junto de toda a comunidade política. Assim, não se fará boa administração, assim não se construirá um verdadeiro Estado de Direito.

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