A morte do fundador do Galo Negro na visão de Lukamba Paulo Gato Às portas do dia 22 de Fevereiro, data em que, de uma ou de outra forma, o país rememora o líder-fundador do Galo Negro, o Semanário Angolense entendeu por bem perorar com o deputado à Assembleia Nacional (AN) pela UNITA, Lukamba Paulo Gato, sobre a saga de Jonas Malheiro Savimbi no que tange aos últimos dias da «sua» guerra de guerrilha de aproximadamente trinta anos pela «independência total» de Angola. Paulo Gato «dissertou» sobre o final trágico do velho guerrilheiro, varado - nas chanas do Leste, província do Moxico - por balas disparadas por um número restrito de «comandos» da Unidade Anti-Terror (UAT), apoiados por efectivos das Forças Armadas Angolanas (FAA) que contaram com o concurso primacial do então Serviço de Informações (SINFO), hoje Serviços de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE). O antigo Secretário-Geral do Galo Negro não deixou de falar do impacto do fim da Guerra-Fria na luta que a UNITA travava contra o Governo angolano, a «traição» do «amigo americano», e sobre o apoio material e financeiro dos franceses para a campanha eleitoral de 1992. General reformado das FALA – braço armado da UNITA -, o interlocutor do SA conta também quando, onde e como teve o último contacto com o líder-fundador do seu partido e revela como a «Nova Ordem Mundial», emanada do fim da Guerra-Fria, fez Jonas Savimbi perder as suas principais moedas de negociação com o Governo. Mais: explicou por que razão foi Abreu Kamorteiro a assinar os Acordos de Paz, a 2 de Abril de 2002, no Parlamento angolano, em Luanda, e não ele, enquanto SG do seu partido e líder da extinta Comissão de Gestão do Galo Negro. Semanario Angolense (SA) – Tem um filho com o nome de guerra de Jonas Savimbi? Lukamba Paulo Gato (LPG) – De facto, um dos meus filhos chama-se Alberto dos Jagas Lukamba Paulo. «Jaguar Negro dos Jagas» era o nome de guerra de Jonas Savimbi. O meu filho, que tem hoje 14 anos de idade, sabe que leva parte do nome de guerra de um homem que marcou a História deste país, desde os primórdios da Luta de Libertação nos anos 60 à data da sua morte, no início do Século XXI. SA – Valeu a pena o esforço para o alcance da paz que vivemos? LPG – Hoje estamos em condições de dizer em voz alta e bom som que, neste país, nunca mais à guerra. Mas como proceder para que se evitem conflitos sociais que resvalem para o antagonismo? É preciso que os dirigentes angolanos aprendam com os erros do passado. Jonas Savimbi foi um líder de convicções muito profundas e levou-as até às últimas consequências da sua lógica. Chegou a ser descrito por um historiador togolês como sendo «L’homme des grands reffus», o homem das grandes recusas. Recusou o colonialismo português, desde muito jovem, ainda na UPA; recusou também toda e qualquer outra dominação estrangeira. No entanto, o fim da Guerra-Fria, na última década do século passado, alterou profundamente os interesses geoestratégicos, sobretudo, da potência vencedora, o que de certo modo precipitou certas tomadas de decisão no que diz respeito à resolução de alguns conflitos regionais. E talvez Jonas Savimbi não tivesse compreendido que o fim da Guerra-Fria iria representar, em certa medida, o atenuar das chamadas grandes clivagens ideológicas, em benefício dos interesses económicos. Portanto, há uma série de perguntas que hoje, à distância do tempo, me coloco. Tal como o General (Charles) De Gaulle, que depois de tanto esforço e luta para a libertação da França contra a ocupação nazi, não previu que, pouco mais 20 anos depois, a juventude do seu próprio país, que tinha feito dele um ídolo, fosse revoltar-se a dado momento, a ponto de o levar à demissão. SA - Está a falar de «Maio de 1968»? LPG – Exactamente. A maior aspiração dos jovens franceses, em 1968, era a de desfrutar dos benefícios da paz, da liberdade e do desenvolvimento. SA – Jonas Savimbi não soube ler os sinais dos tempos? LPG - Os grandes homens também são humanos e podem não ter, necessariamente, a um dado momento, a leitura mais exacta dos sinais dos tempos. O fim da Guerra-Fria criou também aquilo a que chamo de «businessisação» da política. Teria Jonas Savimbi,um homem com uma grande convicção ideológica, previsto que os interesses económicos poderiam a certa altura da História comandar os destinos do mundo? Talvez não! Tudo isto criou várias dificuldades para a UNITA. A forma como os ocidentais pensaram ajudar a solucionar aquele que foi um dos conflitos regionais decorrentes da Guerra-Fria também não foi das melhores. O interesse económico dos ocidentais pesou mais do que o desejo dos angolanos para uma verdadeira paz e reconciliação. SA – Esta é uma indirecta para Portugal? LPG – Não! Portugal foi apenas um actor, não o mentor. O mentor foi o vencedor da Guerra-Fria. Hoje temos uma situação quase semelhante no nosso continente, o caso da Cote d’Ivoire. E é daqui do nosso país que partem ideias para não se recorrer à força (das armas) e à não interferência da Comunidade Internacional. Mas o que é que se passou aqui? Pela primeira vez, vimos as Nações Unidas a aplicarem sanções irracionais contra uma das partes (UNITA),criando um sentimento de impunidade e arrogância à outra parte (Governo). Mesmo quando depois se disse que se iria atribuir o cargo de vice-presidente a Jonas Savimbi para se sair da crise, de facto não era a vice-presidência. O que se ofereceu a Jonas Savimbi foi o posto de «vice-presidente do vice-presidente». SA – Quem seria vice-presidente, de facto? LPG – Seria alguém ligado ao Presidente (José) Eduardo dos Santos e ao MPLA. SA – Quem seria…? LPG – Não sei quem seria! O VII Congresso do partido (UNITA), no Bailundo, em 1996, analisou esta situação. Mas quando se aprofundou a proposta e chega de Luanda a informação segundo a qual Jonas Savimbi seria o segundo vice-presidente, eu via o líder da UNITA de forma desconfortável, pela sua personalidade e carisma, aceitar um posto que o relegava para o terceiro nível. Tudo isto foi ditado pelos interesses económicos das potências ocidentais, que se precipitaram para que houvesse uma solução qualquer do nosso conflito. A partir de 1991/2, Jonas Savimbi não poderia mais sobreviver ao peso colossal dos interesses do Ocidente. O Ocidente não teve em conta o futuro dos angolanos. Por isso é que hoje temos uma democracia completamente manca. Basta olhar para a Assembleia Nacional, onde o partido no poder (MPLA) tem 191 assentos e o segundo partido (UNITA) 16. Isso não é bom nem para o país, nem para o próprio MPLA, muito menos para a nossa jovem democracia. Com oitenta e um porcento, não é possível a humildade necessária para manter-se perto das preocupações profundas da população. SA – Voltando ao «22 de Fevereiro»: a Comunidade Internacional sancionou a UNITA, com os EUA à cabeça. Daí o facto de o Galo Negro ter-se virado para França, no sentido de obter apoios. LPG – Isso foi logo em 1991. O velho Jonas (Savimbi) fez uma leitura clara da situação logo depois da precipitação dos Acordos de Bicesse. Vou contar-lhe um episódio para ilustrar o que se passou. Primeiro, ao nível da Comissão Conjunta Político-Militar (CCPM),houve uma mudança de atitude nítida por parte dos americanos a favor do Sistema. Segundo, terminada a guerra, quando nos preparávamos para as eleições de 1992,fomos ter com os americanos para ver em que medida poderiam ajudar financeiramente a campanha eleitoral da UNITA. Para nossa surpresa, não nos deram sequer um dólar. Hábil diplomata que era, Jonas (Savimbi) criou imediatamente uma delegação que enviou à França para encontrar alternativas. SA – Quem chefiava esta delegação? LPG – Esta delegação era che-fiada por mim. Tinha estado dez anos em França, como representante do meu partido. E conhecia bem os meandros da política e da diplomacia, apesar de na altura estarem os socialistas no comando. Conseguimos encontros ao mais alto nível que resultaram em apoios substanciais para a campanha eleitoral que fizemos, embora estes apoios tivessem chegado em cima da hora. Portanto, os interesses dos americanos estavam claros. Hoje entendo melhor. O raciocínio dos americanos deverá ter sido muito simples: entre Jonas Savimbi e José Eduardo dos Santos, depois da Guerra-Fria, o interesse dos americanos estava mais virado para este último, que só estava em posição de fazer concessões, se quisesse sobreviver. Jonas Savimbi, por outro lado, estava em posição de força. Por isso fazia parte do bloco que venceu a Guerra-Fria. Logo, estava em condições de fazer exigências.Portanto, a escolha dos americanos não poderia ser difícil. SA – A lógica dos americanos foi: «Show me the money, I show you the way»? LPG – That’s correct! Depois desta escolha, Jonas Savimbi não poderia mais sobreviver. SA – Então a sorte de Jonas Savimbi começou a ser traçada depois do final da Guerra-Fria? LPG - Jonas Savimbi e a UNITA foram extremamente sacrificados na luta contra o expansionismo soviético na África Austral. Jonas Savimbi era um homem profundamente perspicaz, de convicções profundas. O carisma e a personalidade do patriota angolano, que era Jonas Savimbi, criaram receios à Comunidade Internacional. Portanto, só havia motivos para exclui-lo. SA – Jonas Savimbi terá caído sobre a sua própria baioneta devido à teimosia? LPG – Jonas Savimbi tinha uma visão muito própria sobre Angola. Ele sabia que seria alvo de rejeição por parte dos seus adversários. Aliás, os seus adversários foram demonstrando isso ao longo do tempo. Jonas Savimbi foi até às últimas consequências em nome das ideias que defendia. Jonas Savimbi dizia que não tinha conhecido nenhum general ou exército que tivessem sobrevivido depois do seu desarmamento. Portanto,quando as Nações Unidas determinaram, em Lusaka (Zâmbia), com base na «Resolução 435», o seu desarmamento e a entrega das parcelas dos territórios controlados pela UNITA,ele (Jonas Savimbi) compreendeu que a sua principal moeda de negociação tinha-lhe sido retirada. Semanário Angolense |
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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
Lukamba Gato: Savimbi foi derrubado pelos interesses do Ocidente
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